Os conceitos de saúde e doença evoluem historicamente em função de fatores como contexto sócio-cultural, político e econômico, evidenciando a evolução da experiência humana. Dessa forma, o conceito de saúde pode ter significados diferentes para as pessoas, a depender da época, do lugar e da classe social; de valores individuais, de concepções científicas, religiosas e filosóficas de cada indivíduo. O mesmo, aliás, pode ser dito das doenças. Aquilo que é considerado doença também varia muito.

Conceitos de saúde ao longo da história

Diversos conceitos do que vem a ser doença e saúde existem desde muito cedo. Na visão Mágico-Religiosa do Egito, doença era resultado de forças alheias ao organismo por causa do pecado ou de maldição. A cólera era considerada divina diante dos pecados humanos. Na cultura Xamã, o feiticeiro tribal expulsava através de rituais os maus espíritos que se apoderavam das pessoas, causando doenças.

Na Grécia, defendiam princípios como a Teoria dos Humores, onde doença e velhice, procedentes do coração, sistema respiratório, fígado e baço, resultam do desequilíbrio dos humores. (Hipócrates Séc. V a.C.); a Teoria do Calor Intrínseco, onde a alma é combinada, ao nascer, ao calor intrínseco e dele depende para se manter unida ao corpo (Aristóteles Séc. VI a.C); e Determinantes de Saúde, uma combinação das duas teorias que falava sobre quatro temperamentos no estado de saúde: endógena, constitucional, física e de hábitos – Galeno (129-200 d.C).

Quando o interesse acadêmico ganha destaque

Na idade Média (500-1500 d.C.) o interesse acadêmico ganha destaque, dando importância às medidas de higiene para a manutenção da boa saúde. A influência da religião cristã manteve a concepção da doença como resultado do pecado e a cura como questão de fé. Lembramos que o cuidado de doentes nesta época, em boa parte, estava entregue a ordens religiosas.

Na Era Moderna (séc. XVII e XVIII) o conceito baseava-se na química, onde as doenças eram provocadas por agentes externos ao organismo. Os processos que ocorrem no corpo são químicos, os melhores remédios para expulsar a doença também seriam químicos. Os tratamentos aos doentes se davam através da administração de pequenas doses de minerais e metais, notadamente o mercúrio, como utilizado no caso da sífilis.

No Oriente, China e Índia, as concepções de saúde e doença seguiam e seguem, um rumo diferente. Fala–se de forças vitais que existem no corpo, há saúde quando essas forças funcionam de forma harmoniosa, caso contrário sobrevém a doença. As medidas terapêuticas como acupuntura e ioga têm por objetivo restaurar o fluxo normal de energia e, assim, preservar a saúde do indivíduo.

No final do século XIX nasce a revolução pasteuriana com o reconhecimento da existência de microorganismos causadores de doença, o que dá origem a introdução de soros e vacinas. Fatores etiológicos até então desconhecidos estavam sendo identificados; as doenças agora poderiam ser prevenidas e curadas.

A atenção integral à saúde

Entre 1813–1858 nasce a Epidemiologia, com inglês John Snow, com base no estudo pioneiro cólera em Londres, onde vivia-se um contexto “contabilidade da doença”. Após a Primeira Guerra realeza inglesa cria o Serviço Nacional de Saúde, a fornecer atenção integral à saúde a toda a com recursos dos cofres públicos.

Após a Segunda Guerra Mundial foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde – OMS 7/4/1948, com isso, veio o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde, com o conceito: “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”. Saúde deveria expressar o direito a uma vida plena, sem privações.

Em 1974, Marc Lalonde, titular do Ministério da Saúde e do Bem-estar do Canadá conceitua saúde nas seguintes abrangências:

  • Biologia humana: herança genética e processos biológicos inerentes à vida, incluindo fatores de envelhecimento;
  • Meio ambiente: o solo, a água, o ar, a moradia, o local de trabalho;
  • Estilo de vida, do qual resultam decisões que afetam a saúde; e
  • Organização da assistência à saúde: assistência médica, serviços ambulatoriais e hospitalares e medicamentos.

Saúde em países desenvolvidos e subdesenvolvidos

Em 1978 é realizada a Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde, promovida pela OMS, onde enfatizou-se as desigualdades na situação de saúde entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, com destaque para a responsabilidade governamental na provisão da saúde e a importância da participação de pessoas e comunidades no planejamento e implementação dos cuidados à saúde.

Em 1986 é apresentada a Carta de Ottawa, documento da primeira Conferência Internacional sobre promoção de saúde. Trata-se de uma Carta de Intenções que busca contribuir com as políticas de saúde em todos os países, incluindo educação em saúde, nutrição adequada, saneamento básico, cuidado materno-infantil, planejamento familiar, imunizações, prevenção e controle de doenças endêmicas e outros agravos à saúde, e provisão de medicamentos essenciais.

Em 2002 mais uma abordagem é incorporada aos conceitos de saúde e doença, a do ecossistema. A relação saúde-doença deve ser vista agora também como um processo coletivo, estreitando as relações entre saúde, ambiente, uso desmedido de recursos naturais e de seus impactos ambientais e sociais.

Saúde e Pandemia

No atual cenário de pandemia, com a disseminação do COVID-19, prevê-se que haverá um renascimento dos conceitos, com grandes projetos de obras públicas, renovação do sistema econômico financeiro da saúde, mudança do comportamento, revisão da gestão de saúde populacional e formato das organizações e corporações, onde o indivíduo estará com outras visões e perspectivas do aprendizado vivido nesse período de confinamento. Será mais um marco na história da evolução humana e assim seguimos com os conceitos de saúde e doença em constante evolução.

 

Referência:
Moacyr Scliar -PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro 2007